
Em busca de (re)começo
Conheça narrativas de imigrantes que transformaram seus sonhos em realidade no Brasil. Você será transportado para os bastidores dos empreendimentos, conhecendo os obstáculos superados, as vitórias celebradas e as oportunidades descobertas. Histórias de coragem, onde cada passo no caminho do sucesso é marcado por resiliência e paixão.


A força da imigração na economia brasileira
Empreendedorismo e trabalho estrangeiro contribuem para o desenvolvimento do país.
O impacto dos imigrantes na economia brasileira é vasto e diversificado, refletindo uma história de contribuições que marcam diferentes períodos e gerações. Seja por meio do empreendedorismo ou pela inserção no mercado de trabalho, a presença de imigrantes é um fator essencial para o crescimento econômico e inovação no país.
De acordo com a economista Luzihê Martins, especialista em Economia do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), “os imigrantes contribuem para o dinamismo econômico ao preencherem lacunas de mão de obra e ao promoverem a diversidade nos negócios, o que beneficia o Brasil ao ampliar sua competitividade no cenário global.”
Os pequenos negócios gerenciados por imigrantes no Brasil estão entre os elementos-chave que impulsionam o desenvolvimento local. O Sebrae destaca que as micro e pequenas empresas (MPEs) representam cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, e os empreendedores de origem estrangeira têm uma participação crescente nesse cenário. O número de Microempreendedores Individuais (MEIs) estrangeiros ativos no país cresceu 73% entre 2019 e 2023, totalizando 74,2 mil cadastros.
Além de experiências, os estrangeiros trazem diversidade que, em muitos casos, reconfigura os setores em que atuam aqui no Brasil. Um exemplo de êxito é a família Bauducco, que veio da Itália no início do século XX e fundou uma das maiores marcas de confeitaria do Brasil. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Panificação (ABIP), o setor registrou um faturamento de R$ 135 bilhões em 2023. E, nos últimos três anos, ele apresentou um crescimento de mais de 12%, segundo a NielsenIQ. Isso indica que a contribuição imigrante vai além do empreendedorismo individual, gerando emprego e fortalecendo redes de distribuição.
Outro exemplo é o de Samuel Klein, um imigrante polonês que chegou ao Brasil após a Segunda Guerra Mundial e fundou a Casas Bahia, uma das maiores redes de varejo do país. Klein começou vendendo produtos de porta em porta e, com muito trabalho e visão empreendedora, expandiu seu negócio para se tornar um ícone do comércio brasileiro.
A força do trabalho imigrante no Brasil
Além do empreendedorismo, a força de trabalho imigrante desempenha um papel essencial na economia brasileira. Esses trabalhadores ocupam posições em diversos setores, desde aqueles que demandam alta qualificação, como tecnologia e saúde, até setores que requerem diferentes níveis de especialização, como a construção civil, serviços e indústria.
Dados do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) indicam que, em 2019, havia aproximadamente 147,7 mil imigrantes empregados formalmente no Brasil, um aumento considerável em relação aos anos anteriores. Suprindo a demanda por mão de obra em diferentes áreas, esses trabalhadores contribuem diretamente para o crescimento econômico. Estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontam que a migração pode acelerar o crescimento econômico dos países receptores, aumentando a produtividade e a produção agregada, especialmente quando há políticas de integração efetivas.
Este efeito positivo se dá pelo aumento da força de trabalho, preenchimento de lacunas no mercado de trabalho e contribuições para a inovação. Luzihê ressalta que "a verdadeira integração econômica dos imigrantes passa pelo reconhecimento de suas habilidades e pela criação de um ambiente propício para o desenvolvimento de seus talentos”. Essa integração não beneficia apenas os indivíduos, mas sim toda a sociedade, potencializando a economia como um todo.
Desafios e perspectivas para os imigrantes
Contudo, é fundamental reconhecer os desafios que os imigrantes enfrentam. Muitos lutam para ter suas qualificações profissionais reconhecidas, e deparam-se com barreiras linguísticas e dificuldades de acesso a crédito para empreender. Israa Othman, formada em Marketing e ex-professora universitária no Egito, exemplifica essa realidade. Ao chegar ao Brasil, não conseguiu emprego na sua área, mas encontrou uma alternativa vendendo comidas típicas egípcias. “No Brasil, encontrei uma nova chance de construir algo significativo, apesar dos desafios. Meu marido conseguiu atuar na mesma área que ele atuava no Egito, então isso já é uma vitória para nós”, afirma Israa, demonstrando resiliência e capacidade de adaptação.
Políticas públicas e integração econômica
Para facilitar a inserção dos imigrantes, o governo brasileiro tem implementado políticas públicas de integração social e econômica. A Lei de Imigração nº 13.445, sancionada em 2017, estabeleceu direitos fundamentais para os imigrantes, como o acesso à saúde, educação e ao mercado de trabalho.
Como destaca a economista, "é importante salientar a criação da lei para o tratamento igualitário, conforme enfatizado pelo ministro Alexandre Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A Lei de Migração de 2017, regulamentada pelo Decreto 9.199/2017, garante a igualdade de tratamento e de oportunidades aos imigrantes nas diferentes esferas sociais, incluindo o trabalho, assegurando a todos os direitos trabalhistas". A legislação brasileira também demonstra abertura para refugiados, com a Lei Nº 9.474 de 1997, que reforça o compromisso do país com a pluralidade cultural, a miscigenação e os Direitos Humanos.
A concessão de vistos humanitários, além do status de refugiado, fortalece a política externa brasileira na cooperação multilateral e na defesa dos Direitos Humanos. Programas como o de Microcrédito da Caixa Econômica Federal oferecem condições facilitadas de financiamento para imigrantes empreendedores, fomentando a diversificação e o fortalecimento do mercado.
A contribuição dos estrangeiros vai além de um papel complementar na economia. Seja refugiado ou imigrante, ambos trazem novas ideias, movem setores e, muitas vezes, revitalizam regiões inteiras com novidades de suas culturas. Reconhecer e valorizar essa contribuição é estratégico para fortalecer a economia, promovendo um crescimento sustentável e inclusivo para o futuro do Brasil.

Eu não queria depender de ninguém
Mary Mina
A primeira vez que vi Mary foi em um evento organizado pela Base Gênesis, uma instituição que acolhe e oferece suporte a imigrantes e refugiados no Brasil. A feira era uma mistura de culturas, sabores e arte, cada mesa carregando um pedaço de algum cantinho do mundo. Passeando entre barracas de produtos artesanais e alimentos típicos, fui atraída pelo cheiro de algo diferente.
Na pequena mesa de Mary, repleta de salgados colombianos que chamavam a atenção, encontrei uma mulher com um sorriso fácil e que logo me fez sentir em casa. Ela me cumprimentou com um sotaque doce e me explicou o que era cada comida, cada uma parecendo carregar um pouco de sua própria história.
Mary tem aquele carisma e simpatia que faz qualquer um ficar à vontade. Conversamos um pouco e, depois de algumas (muitas) risadas e de provar suas delícias, perguntei se ela estaria disposta a compartilhar sua história em uma entrevista. Ela aceitou com alegria, então começamos a gravar.
Mary começou a contar sua história com a voz tranquila, apesar de não esconder a emoção ao relembrar os primeiros dias no Brasil. Ela chegou aqui em 2005, vinda da Colômbia. Na época, estava em busca de uma vida melhor, de uma oportunidade para recomeçar.
- Meu sonho sempre foi empreender. - ela me conta - Eu não queria depender de ninguém, queria ter meu próprio negócio.
E essa vontade da Mary é antiga. No país de origem, já havia trabalhado em empreendimentos familiares – sua família produzia rapadura, uma tradição local. Mas, devido à violência e à falta de segurança, viu-se obrigada a deixar a Colômbia e buscar uma vida nova no Brasil.
Apesar do sorriso que quer dizer o contrário, o começo aqui não foi fácil. Mary enfrentou uma série de desafios que testaram sua determinação. Um dos obstáculos mais difíceis foi o idioma: sem falar português, ela se sentia deslocada.
- Eu não conhecia ninguém e não sabia se as pessoas iriam gostar dos meus produtos, - relembra.
A insegurança era um fardo constante, um medo de não ser aceita, de não ser compreendida. Atrás da positividade, Mary escondia o cruel pensamento de que talvez não conseguisse realizar seu sonho.
Entretanto, ela não desistiu. Usando seus poucos recursos, começou a vender salgados colombianos e pratos típicos após começar a frequentar a Base Gênesis. Foi na instituição, inclusive, onde conheceu pessoas que realmente fizeram a diferença em sua vida.
- Conheci o doutor Maurício, a Sheila, e muita gente que me ajudou bastante. Eles me ofereceram orientação, algo que eu nunca tive antes. - continuou a me explicar - Não sabia como fazer, não sabia como me orientar.
Com o apoio da Base, Mary pôde realizar um curso de gastronomia na Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo. Com esse curso, sentiu-se finalmente pronta para melhorar seu negócio. Dava para sentir a gratidão em seu rosto ao se lembrar dessas pessoas. Com emoção, comemora:
- Eu me sinto muito feliz, é um sonho que estou realizando. Sempre quis empreender, sempre quis ser dona do meu próprio destino.
Em Mary, é possível perceber uma mistura de força e uma leve melancolia. Ela fala com um carinho imenso sobre o Brasil e diz gostar muito da cultura local, mas os olhos revelam a saudade da terra natal. Quando pergunto sobre sua vida na Colômbia, ela suspira, um suspiro pesado que parece carregar todo o peso de anos de luta e sacrifício.
- Eu amo a Colômbia, - desabafa - mas aqui é meu lar agora.
Ao final da conversa, pergunto qual conselho ela daria para quem, assim como ela, está disposto a enfrentar o desconhecido procurando algo melhor. Ela sorri, mas é um sorriso sério, como o de alguém que sabe muito bem o que é superar tempos difíceis.
- Não é fácil, - começa - mas também não é impossível. Você só precisa de garra, de vontade. E também de pessoas boas ao seu lado, como as que eu encontrei. São essas pessoas que fazem tudo valer a pena.