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Portas abertas:
refugiados no Brasil

Choque de realidade: as dificuldades e os refugiados no Brasil

Todos os anos imigrantes e refugiados chegam ao Brasil com o coração cheio de expectativas por uma nova vida e um futuro promissor. No entanto, ao se depararem com duros aspectos da realidade no novo país, sofrem o impacto das desilusões.

São muitos os desafios enfrentados por um imigrante que tenta se instalar em território brasileiro e recomeçar. Grande é o orgulho nacional ao exaltar o perfil receptivo do povo brasileiro, mas nem sempre é assim que a recepção acontece. 

A face sombria do acolhimento

O preconceito é latente na sociedade brasileira e com os imigrantes não é diferente. Apesar da diversidade do povo verde e amarelo, a intolerância e a violência são manifestas contra aqueles que aqui vêm buscar abrigo.

Muitos sentiam como se eu estivesse roubando a vaga deles no país deles

De acordo com o portal de notícias do Senado Federal, senadores e debatedores apontaram a ausência de políticas públicas voltadas ao acolhimento dos migrantes e refugiados no Brasil, juntamente à intolerância da sociedade brasileira, como motivações para o assassinato do congolês Moïse Kabagambe, no Rio em 24 de janeiro de 2022.

Moïse trabalhava em um quiosque na Barra da Tijuca e foi morto, aos 24 anos, enquanto cobrava o pagamento de dois dias de serviço. O corpo foi encontrado amarrado em uma escada com marcas de espancamento. 

O caso de Kabagambe foi extremo, mas o preconceito contra o imigrante se manifesta, diariamente, de maneiras mais sutis. Mike Papou Cameus veio do Haiti para o Brasil quando tinha 15 anos, devido ao terremoto que devastou seu país em 2010. Ao ser questionado sobre ter sido tratado de maneira discriminatória por algum cidadão brasileiro, Mike afirma: “Em vários momentos”. 

Ele expõe que no ambiente universitário enfrentou adversidades em diferentes circunstâncias, principalmente ao tentar se candidatar para cargos de liderança na turma ou em organizações acadêmicas. “Muitos sentiam como se eu estivesse roubando a vaga deles no país deles”, explica.

Mercado de trabalho formal: um abismo burocrático

Ainda de acordo com a Agência Senado, no debate promovido pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) e pela Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR) em fevereiro do ano passado, foram apontadas irregularidades nas contratações de imigrantes no mercado de trabalho formal brasileiro. Tais circunstâncias permitem, muitas vezes, a submissão destas pessoas a condições de trabalho análogas à escravidão.

Conforme o relatório do Observatório das Migrações Nacionais (OBMigra), o volume de trabalhadores estrangeiros no Brasil saltou de 62.423, em 2011, para 181.385, em 2020. Este dado abrange diferentes tipos de imigração, até mesmo refugiados ou imigrantes que ingressam com concessão de visto. Cidadãos do Haiti e da Venezuela correspondem a mais da metade dos imigrantes no mercado formal brasileiro. 

No entanto, muitos destes indivíduos acabam por exercer funções fora de sua área de formação. Sobre isso, o advogado especialista em Direito do Trabalho, Ricardo Nakahashi, explica:

“O que tenho percebido ao longo dos anos é que muitos imigrantes acabam trabalhando em empregos que não correspondem à sua formação devido a barreiras linguísticas e à falta de validação de diplomas estrangeiros.

Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a burocracia para revalidação de diplomas estrangeiros é um dos principais desafios enfrentados por imigrantes qualificados.”

Cidadãos do Haiti e da Venezuela correspondem a mais da metade dos imigrantes no mercado formal brasileiro.

Os três campos ocupacionais que mais absorveram trabalhadores em condições formais na década de 2011 a 2020, segundo o relatório do OBMigra foram: trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados e as duas categorias de trabalhadores da produção de bens e serviços industriais. 

Outro fator restritivo quanto ao crescimento e plena incorporação social dos imigrantes em meio à nação brasileira são as limitações das estruturas públicas de atendimento. O advogado aponta que “o Brasil tem avançado, mas ainda enfrenta desafios em fornecer assistência jurídica e social adequada para imigrantes e refugiados.”

Quanto a isso, o sociólogo perito em Gestão Pública, Marcelo Magri, explicita: “as maiores limitações das estruturas públicas de amparo a imigrantes e refugiados que chegam ao Brasil variam ao longo do tempo e podem ser influenciadas por diferentes fatores que incluem capacidade limitada, processos burocráticos complexos, falta de coordenação entre agências governamentais, estigma e xenofobia e recursos financeiros limitados.”

O limbo burocrático que impede o desenvolvimento pleno do imigrante em meio à sociedade brasileira ainda pode torná-lo vulnerável a condições de trabalho inóspitas. “A vulnerabilidade social e econômica, muitas vezes agravadas pela falta de documentação regular, torna os imigrantes alvos fáceis para empregadores desonestos. Eu vejo muito isso nas audiências”, esclarece Ricardo Nakahashi.

Outro agravante piora este cenário: “o Brasil enfrenta desafios sérios em relação ao tráfico de pessoas e trabalho análogo à escravidão. Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, imigrantes e refugiados estão entre as vítimas dessas práticas. Vemos isso também em situações de pessoas que trabalham sem registro”, completa o jurista.

O limbo burocrático impede o desenvolvimento pleno do imigrante em meio à sociedade brasileira

Solicitação de refúgio online: uma barreira 

O dilema da burocracia pode ser ainda mais dificultoso devido aos processos obrigatórios em meios digitais. O órgão responsável por analisar e julgar os pedidos de refúgio é o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare),  vinculado ao Ministério da Justiça. 

Para fazer a solicitação da condição de refugiado no Brasil,

o imigrante precisa empenhar um longo processo. Inicialmente,
o solicitante deve fazer o cadastro na plataforma digital
Sisconare

Em seguida, é preciso fazer a solicitação de refúgio e o registro na Polícia Federal. Com isso, será necessário acessar o Sisconare pelo menos uma vez ao mês para checar atualizações e renovar o Protocolo de Refúgio anualmente até a decisão do pedido.

Além disso, é preciso realizar a entrevista de elegibilidade, aguardar a decisão do Conare e, se aprovada, enfim o solicitante receberá a notificação de reconhecimento. Finalmente, será possível trocar o documento de identificação para a Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM). 

No entanto, há algumas situações específicas que permitem ao refugiado passar por um processo de solicitação simplificado, como o reconhecimento do refugiado como vítima da grave e generalizada violação de direitos humanos em seu país de origem.

Apesar de organizada, a operação no Sisconare apresenta algumas barreiras. O portal de notícias da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais expõe algumas delas: primeiramente, é importante notar que, apesar de estabelecido em 2017, o formulário da plataforma é disponibilizado unicamente em português, o que configura um grande empecilho aos refugiados que chegam sem domínio da língua.

Além disso, o Conare não pode garantir aos solicitantes acesso a recursos financeiros e tecnológicos para a realização da entrevista online. Isso os impele a necessitarem do auxílio da sociedade ou de organizações não governamentais.

Ainda mais, a demora para aprovação do pedido de refúgio se configura como significativo obstáculo, uma vez que há insegurança por parte das empresas e bancos em aceitar documentos provisórios dos estrangeiros.

“A demora para aprovação do pedido de refúgio se configura como obstáculo significativo.” 

O haitiano Mike Papou construiu sua vida aqui no Brasil com sua família desde que chegou, quando ainda bem jovem. Hoje ele caminha rumo a conclusão de seu curso de graduação no interior de São Paulo, mas expõe um pouco dos impasses pelos quais passa enquanto enfrenta os processos burocráticos digitais:

“É uma dificuldade tremenda, inclusive estou passando por esse processo para conseguir a cidadania brasileira, está muito difícil, é algo que estou tentando a três anos já e nunca deu certo. Dessa vez espero que dê”, desabafa Papou.

A 7ª edição do relatório Refúgio em Números, revela que em 2021 foram feitas 29.107 solicitações da condição de refugiado. No entanto, o Conare reconheceu apenas 3.086 destas solicitações. Isso revela, como expôs o sociólogo Marcelo Magri acima, a capacidade limitada dos recursos públicos para tal atendimento. Mas também pode indicar uma demanda maior do que a condição técnica para analisar os casos.

Desafios e burocracias nos processos migratórios 

Em meio a uma era de globalização, onde fronteiras se tornam cada vez mais fluidas, a legislação de imigração no Brasil desempenha um papel crucial na jornada dos estrangeiros que buscam estabelecer residência no país. A advogada especialista em Direito Internacional, Aimeé Almeida, destaca que a Lei de Migração, n.º 13.445, instituída em 24 de maio de 2017, é o alicerce que regulamenta a entrada e estada de estrangeiros no Brasil. 

Na legislação diversas questões são especificadas, “desde a definição de conceitos como imigrante, emigrante, residente fronteiriço, visitante e apátrida até os requisitos específicos para diversos tipos de vistos, a lei estabelece um complexo conjunto de direitos e deveres” cita a profissional.

Segundo Aimeé, o governo brasileiro utiliza o princípio da reciprocidade nas relações de migração, indicando que a isenção de vistos é baseada em acordos bilaterais. Recentemente, mudanças nessa política foram anunciadas,  o que evidencia a importância de orientação profissional para estrangeiros interessados em visitar ou residir no Brasil.

“Com o recente anúncio de mudanças na isenção de vistos para cidadãos dos Estados Unidos, Austrália, Canadá e Japão, é fundamental que estrangeiros interessados no Brasil busquem orientação especializada para entender os requisitos específicos de cada modalidade de visto”, menciona a advogada.

No entanto, as barreiras enfrentadas pelos estrangeiros que buscam residência no Brasil vão além da burocracia documental. A falta de acesso facilitado a informações verídicas para os estrangeiros e a incerteza em relação aos requisitos legais para obtenção de vistos se revelam como uma realidade desafiadora. Aimeé Almeida destaca que "essa complexidade é ainda mais acentuada pela falta de informações precisas, expondo os imigrantes a um labirinto burocrático".

Além dessas questões, a falta de integração eficiente entre os órgãos governamentais e o tempo prolongado para o processamento de vistos e autorizações de residência são mencionados como fatores adicionais. Esses elementos contribuem para dificultar significativamente a jornada dos imigrantes que buscam regularizar sua permanência no país, adicionando camadas de desafios tanto no âmbito legal quanto no prático.

Imigrante x Refugiado

A distinção entre imigrante e refugiado também é fundamental no contexto das leis e regulamentações migratórias. Conforme esclarecido pela advogada Aimeé Almeida, a Lei de Migração brasileira define o imigrante como "pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside e se estabelece temporária ou definitivamente no Brasil." Em outras palavras, os imigrantes buscam estabelecer-se no país por motivos diversos, como trabalho, estudo ou busca por oportunidades. "Os direitos e deveres dos imigrantes são, portanto, regulados pela legislação brasileira, integrando o Direito Internacional Privado”, afirma a especialista.

Por outro lado, a condição de refugiado possui uma definição internacional específica. Segundo as convenções da ONU, “um refugiado é alguém que, devido a eventos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951, teme ser perseguido por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas”, ressalta Aimeé. 

Essa pessoa se encontra fora de seu país de origem, não pode ou não deseja buscar a proteção do mesmo, ou, se apátrida, não pode ou não quer retornar ao país onde tinha residência habitual após esses eventos. Dessa forma, a condição de refugiado está intrinsecamente ligada a uma necessidade de proteção internacional devido a ameaças específicas, enquanto a imigração abrange uma variedade mais ampla de motivos e situações.

Dessa forma, enquanto a Lei de Migração aborda os direitos e deveres dos imigrantes, o reconhecimento do status de refugiado é regulamentado pela Lei n.º 9.474/97, que estabelece o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). Essa distinção legal reflete a abordagem específica e a proteção jurídica diferenciada conferida aos refugiados, reconhecendo a necessidade de uma estrutura especializada para lidar com suas demandas específicas.

Compromisso Humanitário na Integração dos Imigrantes

A profissional salienta, com otimismo, que apesar dos desafios intrínsecos ao processo de imigração, o Brasil tem adotado diversas iniciativas para simplificar a integração de imigrantes, refugiados e apátridas.

Ela destaca políticas municipais, exemplificadas pelo Decreto de n.º 14.900, em Juiz de Fora, Minas Gerais, que tem o objetivo de assegurar o acesso a direitos sociais, serviços públicos e fomentar o respeito à diversidade. Essas ações, segundo a advogada, “refletem um comprometimento local em criar um ambiente inclusivo para aqueles que buscam uma nova vida no Brasil”.

Ela acrescenta que uma abordagem acolhedora e respeitosa aos Direitos Humanos pode impactar positivamente a experiência dos imigrantes. Em suas palavras, "imigrar é uma tarefa muito árdua e desgastante, não apenas fisicamente, mas também psicologicamente." Por isso, ela destaca esforços recentes do governo brasileiro na formação de servidores públicos, especialmente por meio de cursos na Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), que visam instilar uma abordagem mais humanizada no tratamento dos imigrantes.

Aimeé Almeida sublinha que o processo de imigração vai além da mera conformidade com leis, demandando uma compreensão profunda e um enfoque humanitário para garantir a integração bem-sucedida daqueles que escolhem o Brasil como seu novo lar. Portanto, é fundamental adotar uma abordagem mais compassiva, buscando uma sociedade verdadeiramente inclusiva e acolhedora, reconhecendo a humanidade por trás das complexidades jurídicas do processo migratório.

​“Imigrar é uma tarefa muito árdua e desgastante”

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Série | Refugia Te Conta

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"O 'Refugia Te Conta' é uma série de dicas em áudio focada em temas essenciais para entender melhor o universo dos refugiados e imigrantes. Criado pelo grupo Refugia Brasil, o podcast aborda questões como políticas de asilo, apoio humanitário, saúde mental e as distinções entre imigração e refúgio. Com especialistas convidados, o programa traz argumentos de forma humanizada, levando conhecimento a todos e esperança a quem precisa.

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Institutos para refugiados

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Missão Paz

Telefone: (11) 3340-6950

Endereço: Rua Glicério, 225 - Liberdade, São Paulo

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Compassiva

Telefone: (11) 2537-2441

Endereço: Rua da Glória, 900 - Liberdade, São Paulo

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CIC

Telefone: (11) 3115-2048 55

Endereço: Rua Barra Funda, 1020 - Barra Funda, São Paulo

Centro de Integração da Cidadania do Imigrante
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PARR

Contato: parr@emdoc.com

Endereço: Rua José Bonifácio, 107 1º andar - Sé, São Paulo

Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados

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CAMI

Telefone: (11) 3333-0847

Endereço: Alameda Nothmann, 485 - Campos Elíseos, São Paulo

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ADUS

Telefone: (11) 3225-0439

Endereço: Av. São João, 313

11º andar - Centro, São Paulo

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FICAS

Telefone: (11) 3045-4313

Endereço: Rua Dr. Lopes de Almeida, 180 - Vila Mariana

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Cáritas

Telefone: (11) 3392-5911

Endereço: Av. Marechal Eurico Gaspar Dutra, 1853 - Parada Inglesa, São Paulo

As pessoas não gostavam muito do que eu estava fazendo

Esmat Wear

Uma vez uma amiga me disse que os povos do Oriente Médio têm características físicas muito parecidas com os brasileiros. Na verdade, acho que as palavras dela foram: “se você for para o lado de lá vai achar que todo mundo é brasileiro”.

Fui meio descrente quanto a essa fala, afinal, é difícil esperar que alguém do outro lado do mundo tenha as mesmas características que você. Justamente por isso, essa foi a primeira coisa que lembrei quando encontrei com Esmatullah Mossini - ou Esmat, para os mais chegados, o que ele me garantiu que éramos ao fim de nossa conversa.

Na verdade, achei Esmat muito parecido comigo: os mesmos cabelos pretos meio escorridos, alguns traços do rosto parecidos, mesmo que em mim sejam de herança indígena e nele da sua herança afegã, um sorriso meio travesso, característico de um típico brasileiro.

O conheci em um evento cultural voltado para imigrantes e refugiados, donos do próprio negócio, ganharem visibilidade, e o encontrei, ironicamente, escondido atrás de muitas bolsas e mochilas que ele mesmo havia confeccionado.

A sala tinha um cheiro meio misturado; as comidas típicas de diferentes países impregnavam o ambiente. Mas era possível sentir no ar o tempero picante característico de tantos países do Oriente, o público que era maioria no evento. 

Quanto a Esmat, achei que nossa conversa poderia ser limitada pela língua, principalmente pelas minhas antigas experiências ao tentar falar com outros refugiados, mas me surpreendi com o português do meu novo amigo.

- No meu país eu nunca fui para escola ou fui alfabetizado - ele me explicou - então aprendi o português quase como se fosse minha primeira língua.

Esmat é novo, tem apenas 20 anos, até brinquei que eu era mais velho, mas ele já tinha conquistado muito mais que eu. Afinal, ser dono da própria marca exige um certo talento que não faz parte da minha realidade. 

Apesar da brincadeira, ele começou a me contar sua história e fui entendendo que sua conquista na verdade vem a partir de muita dificuldade.

- Eu trabalho com costura desde os 12 anos. Por isso nunca fui para a escola; era uma realidade diferente para mim.

Ele e seu pai trabalhavam na área por quase 19 horas por dia, indo das 8 da manhã de um dia até as 2 da manhã de outro. 

Esse fluxo de trabalho persistiu, até que o movimento extremista Talibã assumiu o controle do país, em agosto de 2021, e Esmat precisou tomar uma decisão difícil: fugir. Ainda passou um ano em sua cidade natal antes de ter a possibilidade de retirar seu visto humanitário.

- Eu passei dois meses no aeroporto - me conta deixando transparecer um leve sotaque - eu fiquei sem tomar banho e sem saber o que fazer.

Os dias dormindo no chão ao lado de desconhecidos só acabaram porque um casal conheceu Esmat, e se encantou com a história do menino. Charles e Sheila foram os responsáveis por tirá-lo daquela situação e oferecer uma nova oportunidade no Brasil.

- Eu chamo ela - diz se referindo a Sheila - de minha mãe brasileira, porque é isso que ela é pra mim: minha mãe.

A recíproca também é verdadeira, o casal que não tinha filhos agora ganhava um e o carinho que Esmat recebeu o fez se sentir em casa.O acordo entre os três era também uma prova do cuidado do casal para com Esmat: ele deveria se dedicar apenas aos estudos, nem pensar em trabalhar.

Essa cobrança fugiu muito da antiga realidade de Esmat, não que ele estivesse reclamando. Se tornou um estudante disciplinado, fez diferentes cursos de português - motivo de ter uma fala tão clara - e aproveitou os seus momentos em sala de aula.

Até que chegou a hora de voltar ao trabalho, após convencer seus pais brasileiros de que precisava ajudar seus pais afegãos, afinal eles continuavam no país em guerra e com possibilidades limitadas.

Assim, Esmat saiu da “aposentadoria” e retomou sua arte. Começou a costurar bolsas e mochilas que já estava acostumado, mas não deu muito certo.

O estilo brasileiro é muito diferente. As pessoas não gostavam muito do que eu estava fazendo - comenta com um sorriso brincalhão, como se lembrasse de um passado vergonhoso. Uma cobrança injusta para alguém que não sabia nada sobre o Brasil.

Mas é aqui que entra aquele talento que me falta, além da falta de habilidades na costura, claro. Esmat sempre teve uma mente empreendedora e não se intimidou na busca por coisas novas.

- Eu perguntava o que as pessoas queriam. Percebi que as pessoas não gostavam de coisas muito coloridas, então comecei a fazer as bolsas com cores lisas. Me falaram para colocar um bolso para notebook em uma das mochilas, então eu coloquei.

E enquanto me contava sobre o quê já havia feito, misturava também os planos futuros de fazer uma “sholder bag”, porque está na moda e as pessoas gostam. Eu acreditei nele mesmo sem ter muita certeza do que era essa bolsa, pois pelo brilho nos olhos dele enquanto me contava dava para perceber que era verdade.

Chegando quase ao final de nossa conversa eu perguntei:

- Quais são seus planos aqui no Brasil? O que você quer fazer?A resposta foi rápida e clara:

- Eu quero crescer. Quero fazer meu negócio crescer. Quero ser reconhecido. 

Sinceramente, era difícil acreditar que o mesmo menino sorridente na minha frente era o que tinha me contado uma história tão triste a momentos atrás. Acabei entendendo o que era resiliência, mesmo tendo percebido isso só enquanto escrevia esse texto.

Esmat participa de feiras, eventos e paineis de empreendedores compartilhando sua experiência para inspirar refugiados que se encontram em uma situação semelhante à que ele passou, mas posso dizer com certeza que o impacto de sua história não para nesse público.

Conversamos em pé por uns 30 minutos direto, eu não vi o tempo passar, talvez ele tenha visto, mas não demonstrou. O que me mostrou foi a sua coleção de mochilas que eu fiquei tentadíssimo a comprar, principalmente uma que era verde exército e tinha um compartimento para o meu notebook, graças a dica que Esmat aceitou. Mas, não consegui na hora. Ainda assim, prometi que compraria. Ele só sorriu. Essa deve ser sua marca registrada, além, claro, da Esmat Wear.

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Base Gênesis 

Um instituto completo que acolhe e profissionaliza.

O Brasil é um país conhecido por ser um ponto de refúgio a quem necessita, isso é reiterado pelos dados do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) que apontam o país como um território de acolhida para mais de 66 mil refugiados, além de abrigar pessoas com necessidade de proteção internacional. Com objetivo de auxiliar os recém-chegados a se estabilizarem, surgem ONGs e programas que facilitam o processo. 

No site do governo é possível encontrar mais de 13 centros de apoio a refugiados, entre sete cidades espalhadas pelo país, mas essas ainda não são todas as instituições que prestam esse tipo de atendimento. Por exemplo, um dos institutos que não foram listados, mas tem se tornado referência nesse ponto, é a Base Gênesis. 

O instituto

Localizado na Praça da Sé, em São Paulo, a Base Gênesis é um instituto focado na educação e preparação do refugiado para o cotidiano e o mercado de trabalho no Brasil. Contando com mais de 2000 famílias cadastradas em seu banco de dados, a Base recebe refugiados de mais de 30 países, sendo os principais Venezuela, Angola e Haiti. 

A coordenadora da Base, Sheila Segala, explica que primeiro é feito um mapa da situação familiar, antes de oferecer os benefícios da base. “A gente encaminha para as políticas públicas de ajuda de governo, que são necessárias. Encaminhamos para matrículas em escolas, a gente tem o advogado com auxílio de documentação e os psicólogos para apoio psicológico e terapia individual”, esclarece. 

Acolhimento e profissionalização

Após esse primeiro momento os assistidos são encaminhados para os cursos oferecidos. O foco principal é o ensino de português, com o oferecimento de classes do nível básico ao avançado, e a capacitação profissional. “O objetivo é inserir essas famílias, tanto social, economicamente, culturalmente no país. Elas já vieram de uma situação muito difícil, elas têm que se adaptar, elas têm que crescer, elas têm que reconstruir a vida delas”, afirma Sheila.

Após esse primeiro momento os assistidos são encaminhados para os cursos oferecidos. O foco principal é o ensino de português, com o oferecimento de classes do nível básico ao avançado, e a capacitação profissional. “O objetivo é inserir essas famílias, tanto social, economicamente, culturalmente no país. Elas já vieram de uma situação muito difícil, elas têm que se adaptar, elas têm que crescer, elas têm que reconstruir a vida delas”, afirma Sheila.

Clique no botão para ter acesso a lista completa. 

Trabalho voluntário 

Para fazer a organização funcionar é preciso da ajuda de voluntários. O instituto tem apenas quatro funcionários contratados, e todos os outros trabalhos são preenchidos de forma voluntária. Esses cargos vão de professor de português e costura, até advogados, psicólogos e auxiliares na função administrativa. 

A ONG está sempre aberta para receber ajuda, pois como explica a auxiliar administrativa Rebeca Dália, “apesar do espaço ser pequeno,  o volume de atendimentos internos, externos e atividades é bem grande. A nossa base de dados tem mais de duas mil pessoas, chega a gente toda semana, todo dia tem cadastro novo e todo dia tem processos administrativos”. 

Quer ser voluntário? Clique no botão abaixo e saiba como! 

Apoio constante 

O fluxo de trabalho do instituto parece não diminuir. A partir do momento que a família é cadastrada e tem suas necessidades mapeadas, a ONG faz de tudo para supri-las. A vezes isso envolve encaminhar para a assistência pública, como SUS, Cras e Bolsa Família, mas também oferecem cestas básicas por três meses, além de um kit completo de material escolar para as crianças. 

É possível ver o diferencial da Base Gênesis em seu fluxo constante de pessoas, sem a necessidade de nenhum tipo de divulgação. “A gente não faz nenhuma propaganda, não precisa. Sempre foi no boca a boca. No começo, por exemplo,  a gente recebia muitos árabes aqui. Mas eles divulgavam, eles mesmos, nas mesquitas que eles estavam”, conta Rebeca. 

Respeito 

Lidar com pessoas de diferentes culturas e credos pode se tornar um desafio, até porque, quando aplicada a realidade da Base, a própria língua é uma barreira. Mas, para manter a organização funcionando, respeito é a palavra de ordem. “Não é porque a pessoa não fala a minha língua, ela não entende a minha cultura, que é uma criancinha. Respeite aquela pessoa como você gostaria de ser respeitada. Respeite a individualidade, a vivência de cada um”, enfatiza Rebeca.

A coordenadora Sheila reitera dizendo que “é preciso compreender o ser humano na sua singularidade, entender que o ser humano é único e  que não existe só um tipo de problema, não existe só uma única visão de mundo.”

Quer ajudar a Base Gênesis de alguma formaNo Instagram deles você pode descobrir como.

Anote o @basegenesis ou clique no botão abaixo!

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