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​Criando pontes: conexões culturais entre Brasil e outras nações

Bem-vindo! Você viverá uma jornada cheia de cor, onde as tradições estrangeiras encontram um lar em solo brasileiro. Descubra como os sabores, ritmos e costumes de outros cantos do mundo se fundem à nossa essência, criando diversidade. Aprofunde-se em histórias de lugares que fazem os estrangeiros se sentirem em casa e como essa mistura molda a identidade singular do Brasil.

Culturalizando
mundo em auto relevo

Esse podcast te mostra que o nosso país tem de tudo um pouco. Uma amostra prática de o quanto as culturas externas influenciaram a nossa própria cultura. Esse podcast é uma iniciativa do grupo Refugia Brasil.

O Mundo no Brasil

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Fonte: Governo de São Paulo

Doces.HEIC

Nuchi nu sadamee wakaran

Não sabemos nosso futuro

Brasil e Japão se encontram a uma distância equivalente de 17.360 km. Considerando que a circunferência da Terra tem cerca de 40.075 km, uma viagem de um país ao outro é quase que uma viagem por metade do globo terrestre. Justamente por sua posição extrema ao Leste, o Japão é conhecido como Terra do Sol Nascente, uma terra antiga com uma cultura milenar. Enquanto isso, o Brasil é um país relativamente “novo”, tendo como uma característica forte, um povo sorridente e “boca aberta".

Apesar dos contrastes entre essas duas terras, de alguma forma nos tornamos o país com a maior comunidade nipônica fora do Japão. Hoje, contamos com mais de 2,7 milhões de japoneses, entre descendentes e imigrantes, vivendo em terras brasileiras, segundo dados fornecidos pelo Ministério das Relações Exteriores.

Desses 2,7 milhões, pelo menos 1 milhão vivem no estado de São Paulo, ocupando diversos bairros e regiões, tendo como principal o famoso bairro da Liberdade.

Se os países são geograficamente e culturalmente opostos, o que aconteceu para que os dois se tornassem um só?

Achinee ya tankaa mankaa

Negócios são uma via de mão dupla

Hoje, o Japão tem uma das taxas de natalidade mais baixas do mundo, tanto que existem esforços do governo para incentivar os japoneses a terem filhos, como auxílio financeiro por grande parte da vida da criança.

Mas, nem sempre foi assim. Na verdade, o Japão já chegou a um ponto crítico mantendo uma superpopulação em situações precárias, onde havia falta de alimento e moradia. O aumento exponencial da população era assustador.

O historiador Roberto Yamamura explica em seu estudo sobre “O estabelecimento das relações Brasil — Japão no século XIX” que “em 1875, a população japonesa era de 30 milhões de habitantes, e, 25 anos após, era de 45 milhões”, aumentando em 50% a população, enquanto nem 20% da ilha era habitável.

Enquanto isso, o Brasil necessitava de mão de obra. Unindo o útil ao agradável, os dois países firmaram um acordo, fazendo valer o provérbio de Okinawa: “Achinee ya tankaa mankaa” - Negócios são uma via de mão dupla.

Com o acordo firmado, em 18 de Junho de 1908 o navio Kasato Maru aportou em Santos, trazendo 781 japoneses que haviam enfrentado uma jornada de 52 dias para chegar ao destino desejado. Essa data é celebrada ainda hoje, como o Dia da Imigração Japonesa, comemorando 116 anos em 2024.

Mii ya tin niru aru.

Nosso destino está escrito no céu

A chegada dos japoneses provocou diferentes mudanças, seja nas técnicas de cultivo e agricultura - motivo principal da imigração - na culinária ou até mesmo na cultura de forma geral. É notável perceber sua relevância justamente pelo número de mais de 2 milhões de japoneses que criaram raízes em solo brasileiro.

O estado de São Paulo, a região que mais agrega imigrantes, desempenha um papel especial na preservação da cultura japonesa, sendo o local de abrigo para diferentes centros e institutos culturais, como a Japan House, a sociedade Bunkyo e a Casa de Cultura Japonesa.

Saindo da capital, também é possível encontrar centros dedicados à preservação da cultura japonesa. Mina Matino faz parte do nicho cultural do Instituto Cultural Nipo Brasileiro de Campinas, e afirma que os centros devem ser mantidos porque “o empenho dos primeiros imigrantes, e tudo que os nossos antepassados trouxeram com muito esforço, precisa ser mantido e transmitido para as futuras gerações.”

Os laços entre as duas comunidades se refletem além dos cumprimentos acalorados no bairro da Liberdade, eles contribuem também no aspecto financeiro, realizando parcerias econômicas bilaterais, bem como fizeram no passado. Segundo a Câmara dos Deputados, existe um interesse, por parte da Terra do Sol Nascente, para que o relacionamento entre os dois países se estreite ainda mais.

Nmarijima nu kutuba wasshii nee kuni n wasshiin

Se você esquecer sua língua, vai esquecer de sua Pátria

Um dos pontos mais importantes em todo esse relacionamento, está na possibilidade do Brasil ser um berço de preservação de toda uma cultura. Quando falamos da imigração japonesa, costumeiramente não fazemos distinção de culturas, credos e língua, afinal todos vieram do mesmo lugar, certo? Errado.

Em uma das muitas levas de imigrantes, chegou ao Brasil o povo Okinawa. Um povo extremamente discriminado pelo Estado Japonês, devido ao um conflito que havia ocorrido no ano de 1871, sendo incorporados à força ao Império Japonês.

Assim como em toda guerra, o perdedor cumpre algumas sentenças, e entre elas os okinawanos foram obrigados a abandonar seu dialeto. A discriminação também tinha muito que ver com o jeito mais alegre dos okinawanos em contraponto ao perfil fechado dos outros japoneses, um preconceito que atravessou o mar e também chegou ao Brasil.

Apesar disso, os okinawanos encontraram em seu novo país uma chance de recomeço. As associações culturais foram criadas tendo como objetivo principal a preservação e divulgação da cultura, da língua , das danças e músicas de diversos estilos.

Essa essência que havia sido perdida na terra natal ganhou nova força na casa nova.

O povo de Okinawa continua lutando para preservar sua cultura por meio da música e da tradição oral. Esse esforço reflete a crença em um de seus provérbios fundamentais: “Nmarijima nu kutuba wasshii nee kuni n wasshiin” - Se você esquecer sua língua, vai esquecer de sua Pátria”.

Guiados por esse pensamento, os okinawanos transformaram o Brasil em um polo de estudo da língua original Okinawa, um dialeto que se perdeu além mar - sua própria casa.

Shadia Salamah

"Muitos palestinos tiveram suas histórias contadas por pessoas que não entendem a intensidade do que é ser palestino.”

Shadia Salamah, estudante de odontologia e investigação forense, nunca imaginou que, ao entrar no TikTok durante a pandemia, se tornaria uma voz representativa da cultura árabe e palestina no Brasil. Para ela, a produção de conteúdo não foi planejada, mas sim uma resposta a perguntas e curiosidades sobre sua religião e cultura. 

“Eu não percebi que estava criando conteúdo cultural. Entrei no TikTok por diversão, até que uma pergunta sobre minha religião viralizou, e assim começou tudo”, conta Shadia.

Descendente de palestinos que fugiram da guerra, Shadia nasceu e foi criada no Brasil, mas sua identidade árabe sempre esteve profundamente enraizada em seu

dia a dia. Sua mãe, que voltou à Jordânia na adolescência e casou com seu pai palestino, trouxe consigo a essência da cultura árabe para a casa. Shadia cresceu em um ambiente, onde as tradições palestinas e brasileiras se entrelaçaram.

Seus pais vieram de qual parte do mundo árabe? O que os motivou a se mudar para o Brasil?

No contexto de expulsão em massa dos palestinos, meu avô materno, com medo de ser expulso, migrou ao Brasil (sem querer, na verdade ele só entrou num navio

com uns amigos e rezou) para tentar a vida. Aqui,

com sua esposa também palestina, teve seus

últimos 4 dos 10 filhos e dentre eles, minha

mãe. Nascida e criada no Brasil até seus 14

anos, minha mãe resolveu voltar para a

Jordânia com meu avô e continuar vivendo

lá (ele estava em seus anos finais de vida).

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Anos depois, durante o periodo da faculdade, noivou com meu pai (Palestino, nascido e criado), e ao longo do curso foram montando a vida para assim que ela se formasse, eles casassem. Assim feito e com uma semana de casados, morando na Palestina, começou novamente a guerra fazendo com que eles viessem às pressas pro Brasil (a melhor escolha visto que minha mãe já tinha documentação e a língua) para começar novamente a vida do zero aqui.

Fui criada num Brasil que só minha família conhece, um Brasil em que eu almoçava comida brasileira e jantava comida árabe, em que eu falava português na escola, inglês no cursinho e árabe em casa, fui criada da melhor forma "brasileiramente árabe", unindo as duas culturas da forma mais leve possível.

Meu ambiente familiar nunca me permitiu sentir falta de casa, nossa cultura esteve sempre presente e sempre de forma bastante orgulhosa, tal qual explorei as maravilhas da cultura brasileira na escola, aprendi os contos de ambas culturas, as brincadeiras e os desenhos animados. Tive meus choques culturais quando comecei a entender a proporção do que era

ser diferente, mas isso foi sempre tratado de uma

forma leve, tanto dentro de casa quanto fora.

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Como foi a sua infância no Brasil, sendo descendente de imigrantes? Você sentiu algum choque cultural ou diferença em relação aos seus colegas?

Quais aspectos da cultura árabe seus pais fizeram questão de manter vivos na sua criação?

"Cresci me divertindo com as diferenças culturais."

A maioria. Não só meus pais como tios, primos, meu ambiente familiar num geral preservou cultura de forma em que eu não senti o impacto brutalmente, afinal minha família aqui no Brasil é gigante e meu ambiente, meu ciclo social nunca fez eu me sentir deslocada no Brasil, pelo contrário, meus amigos desde o maternal adoravam vir pra minha casa comer comida e doces árabes e viviam perguntando expressões em árabe para minha vó. 

Quais foram as maiores dificuldades que você enfrentou ao tentar manter e divulgar sua cultura em um país tão diferente?

Não posso universalizar minha experiência individual, mas costumo pensar que as pessoas se permitem ser mais crueis nas redes sociais do que pessoalmente. Tendo minha família intensamente presente em toda minha vida, manter minha cultura fora da internet não foi num todo difícil, tive meu processo de entendimento sobre minhas raízes e o que me tornava diferente, mas não me permito dizer que tive alguma dificuldade nisso. Já abordá-la nas redes sociais me trouxe, por consequência, uma onda de pessoas que não estavam tão dispostas assim a quebrar seus preconceitos, principalmente exaltando o fato de que minha cultura é diretamente ligada à Palestina, que vive em resistência e conflito desde que me entendo por gente.

O que você acredita que atraiu os seus seguidores para o seu conteúdo?

De início, meu hijab. Tendo meu conteúdo inicialmente voltado mais pra religião do que cultura, meu hijab com certeza foi (indiretamente) a atração principal. Ver uma moça de véu no Brasil falando português

fluentemente criava uma curiosidade

nas pessoas, e eu usei desse encanto

para desmistificar minha religião em

primeira instância.

Quais são os benefícios de manter a sua cultura viva, tanto para você quanto para os seus seguidores que podem compartilhar dessa herança?

Minha cultura é parte de mim, da minha história, da minha resistência como palestina. Não nasci na terra mas nasci na luta, nasci resistindo e manter minha cultura viva é uma vitória. Diante de tudo o que acontece no meu país de sangue, cada conquista é uma forma de resistência palestina. Tentam encarecidamente nos apagar do mapa, nos matando, matando nossas crianças, nossa cultura, nossa música, nossa comida, nossa língua, nossas vestimentas (...); levar tudo isso pra frente, é uma forma de resistir a esse massacre. O mundo árabe é riquíssimo, fez parte do berço da educação, e se destacou durante a história da humanidade, é uma pena que o ocidente marginalize tanto esse potencial.

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O que te incentiva a continuar produzindo esse tipo de conteúdo, mesmo com os desafios que enfrenta?

Já ouvi a minha história em salas de aula, em filmes, séries e da percepção de pessoas que nunca viveram ou sequer presenciaram o mundo árabe, a Palestina especificamente

falando. Sinto que com a minha didática e visibilidade, seria

injusto abdicar de contar a minha história, a história dos

meus pais, dos meus avós, do meu povo, para ouvir de

terceiros que não viveram, não sentiram, não lutaram.

Conto essa história no meu viver, em primeira pessoa,

abordando o melhor dos dois mundos e a vida

brasileiramente árabe. No fim das contas, meus

desafios na internet são irrisórios comparados aos

desafios na vida dos que vieram antes de mim.

Em primeira pessoa,

Shadia Salamah

Gaza, terra da poesia
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